Não, nunca verás nos poemas do
Pozzo espalhados por aí, nas revistas, sites, plaquetes, muros e internets o fútil e frágil gozo da linguagem girando em falso, embevecida de seu
próprio fosso, da fera feliz ao roer seu próprio osso. Tens ali o poeta indignado,
num arco enorme que vai da carne nua, mulheres vibráteis e asselvajadas entre
(lições de) lençóis, passando pelas passantes baudelaireanas das ruas cruas,
molambos e parangolés em que a experiência, essa sim, gira no nada para
culminar em lugar nenhum, mendigos e seus cobertores de esgares, e chegando,
enfim, à distorção da civilização ocidental em sua imersão nos ódios do
interesse, nas fraturas do capitalismo, na distribuição desigual do trabalho
social. O ápice daquele arco de tensões empunhado por Pozzo parece estar em Libertação pela Simbiose Social, poema
cuja estrutura nos remete a outros indignados (ardendo de ironia) como
Sousândrade, Lorca, Neruda. Pozzo possui a palavra em explosão, rompendo com a
perspectiva tão canonizada entre nós da poesia coisificada, em si uma
reiteração na reificação, obediência cega à ideologia da técnica, cânone, de
resto, coerente com outras experiências sociais (penso em Mallarmé, em Celan),
mas não com a nossa experiência da diferença, da margem, do periférico. Poesia
aqui no Cone Sur corrói a pedra. E não, poesia aqui, portanto, não é só coisa,
pedra reclamando buril, torremarfilenha experiência do vazio. Poesia em Pozzo
quer ser signo signando, sim, na pulsação de coisa viva, experiência escarrando
no vão de essências. Há uma indignada profusão punk a estalar signos como
‘desafeto’, ‘corrosão’, ‘máscara hipócrita’, ‘desvelamento sádico’, ‘ilusões
predeterminadas’, ‘coração trancafiado’, ‘sparring arremessado’, ‘fabulosa
meretriz’, ‘criança carbonizada’, ‘generais covardes’, ‘florestas de gás’,
‘degredo’, ‘papelotes intoxicados’, ‘cadáveres calejados’, ‘albergues da
solidão’, ‘w.a.s.p.’, ‘faminto povo americano’, ‘casulo fascista’, ‘corrupção’,
‘zumbis feitos de susto’. Essa indignação, marca maior do discurso de Pozzo, no
entanto, corrói exatamente por estar formalizada e trazer também uma irritação
do estético: por isso Libertação pela
Simbiose Social parece ser o ápice deste livro. Pozzo consegue nesse poema
ser o homem-jornal (‘jornalizar’, pedia o outro corrosivo, Oswald de Andrade),
estraçalhando por referências estilhaçadas, nomes, notícias, acontecimentos,
toda a hipocrisia enfim do status quo contra o qual se erige o poético. Afinal,
e para que poetas em tempos de penúria? Exatamente para isso, dizer o indizível,
rastrear com a linguagem as possibilidades de um dito a ser transcendido, exato
justamente por ser fruto de uma concepção de forma que não abole o azar do sentido.
O jogo de linguagem, nesse contexto, tem uma fundamentação ética rara nas
praias nossas da obscuridade. O poeta corrói como rock, sem ceder, porém, ao
star system. Roqueiro que nunca quer ganhar dinheiro, formulando paisagens
transitórias diante do espetáculo do absurdo. Pozzo não é, assim, um poeta mudo:
ele quer a transcendência esquiva da iluminação profana. O discurso só é
poético, sabemos, se ronda as lindes do transe, carcomendo fragmentos de
beleza. A poesia em transe (crítica da terra em transe, das coisas como
supostamente são), intentada por Pozzo, quer ser a do reconhecimento da
possibilidade da transcendência diante do mundo hostil (reparem como ele almeja
ser o ‘agrimensor do absoluto’ diante de um rosto que ‘resplandece feito Luas’,
no ‘tule tenro do Céu’, na perspectiva de que ainda ‘resta a madrugada...’),
operando pelo fluxo e pela respiração entrecortados (Pozzo celebra o
fragmento), o ziguezaguear de fosforescências de sentido, espécie de
continuidade de quases, negando, desse modo, qualquer utopia da sistematização:
a poesia não diz nada com totalidade, é um ressoar quimérico de quases, fluxo
bordejante ancorado no impuro nosso de cada dia. A indignação do Pozzo postula
essa opalescência e lividez dos fundamentos: ressonância interna de sentidos,
ela tanto corrói como, identidade dissolvida, restitui o êxtase da textura.
Tudo!
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