terça-feira, 22 de outubro de 2013

Crítica de André Dick aos poemas de Desencantos Mínimos (Iluminuras, SP, 1996).

* O link para o artigo original, publicado na Revista IHU, 281:
http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2316&secao=281



Invenção - Ricardo Pedrosa Alves
Por André Dick
O poeta Ricardo Pedrosa Alves nasceu em Governador Valadares (MG), em 1970. É graduado em Sociologia, pela Unicamp e, atualmente, faz mestrado em Teoria da Literatura, na UFPR (Universidade Federal do Paraná). Seu primeiro livro se intitula Desencantos mínimos (São Paulo: Iluminuras, 1996) e seu segundo, Barato, escrito em Curitiba entre 1996 e 2008, será lançado pela editora Medusa.
Também publicou poemas nas revistas Monturo (SP), Inimigo Rumor (RJ), A Cigarra (SP) e Oroboro (PR), e resenhas no Diário Catarinense e no Correio Braziliense. Trabalhando com uma sonoridade e imagens inusitadas, uma das qualidades da poesia de Ricardo está em justamente lidar com a linguagem como algo a ser construído, reinventado, mesmo que para isso precise subverter a sintaxe e incorporar mensagens enigmáticas, muitas vezes sem sentido verossímil. É justamente uma espécie de “surrealismo da linguagem” – sem seguir preceitos do movimento surrealista – que faz com que a poesia de Ricardo seja tão especial no cenário atual da poesia brasileira.
Nos poemas de Desencantos mínimos, Ricardo alia uma expansão do verso e uma concentração de idéias, em poemas tanto curtos quanto mais longos. Mesmo uma observação que poderia ser comum – sobre os olhos –, em “Nós no escuro já pós brilhos”, mostra algo que parece revelar outro campo de linguagem: “de um modo que / quedasse sem / blandícia / suplícios / / stella by starlight / / deu-se em nós, / mais lume e / plena de alva. / / E lá: agora glórias / se nos afloram / diariamente? / / respostas com cinzas, faíscas: / em persistência entretanto nos olhos: / melíflua medusa de solares: miles”. Ao mesmo tempo, há uma metalingüística, em “Sempre”: “vocês podem me abandonar na estrada / em alta velocidade, / palavras ? sempre que espelhos múltiplos / embaçados / é preciso recuperar um prazer / do espiralar um mundo de certezas / (antes que coalhem) / onde o futuro não seja cabide rotineiro / hoje”. Mas é na última estrofe desse poema que a metalinguagem é mesclada ao cotidiano e à linguagem do dia-a-dia: “a palavra qualquer chegada em casa / no desconhecido dessa busca à semelhança, / quando nau rumo do mal, / diz versos tipo nunca toquei beleza alguma” – como se o poeta inserisse uma fala na rotina trazida do poema, na expressão coloquial “tipo nunca toquei beleza alguma”.
Observação sobre o cotidiano, a arte e o universo feminino
Ricardo Pedrosa Alves transforma sensações comuns numa linguagem tão expansiva quanto controlada, delimitada. Suas imagens são bastante raras: “cavalo de febres / espirrando transparecendo explodindo / vidro da vida os pulmões” (em “Continuamos lindos escorpiões”); “no calor onde o vermelho explode na língua, / a minha enfim boca”; “daquilo que é grelo de brotação / do próprio peito / / alumbra / oscila / é o lume tanto quanto perfuma” (em “Agora fogo mordido”). Outro elemento é a descrição do feminino, de maneira extremamente original, em “Inevitável mais desejos”: “Vida de escandir ondas nos vincos dos dedos / e ilíadas para a pele / Ser na berlinda entrepistas / de morenas taísas pitonissas: / o fúlgido agouro tatuado, cada luz / de palavra rompendo nada o osso, / caldos de mais-cores banhando / a pele-escorpião”. Ou no belo poema “Quando a luz perfurar teus olhos”: “Anel do escuro do silêncio. / / Comprimirás as têmporas pelas coxas. / / Nas pernas novelos se desfazendo serão / os últimos beijos da anêmona. / / Adeus do sal do leite do mar. / / Hoje irás a um outro lugar de todas as casas / azuis ou sóis e alvas. / / A eternidade lá vai. / / Na mão nódoa última do tempo sem tempo”. No poema “Álulas longe, de chofre nas costas”, Ricardo embaralha nomes relacionados sobretudo à música e à pintura, remetendo à própria sonoridade e imagética da sua construção: “agora um silêncio / repleto / hendrix / de jazz-gatilhos / repleto de jazzgatinhos – como bolhas de cage / que nada / nunca / e matisse até os quarenta seria desentendido / e picasso ah ser já sabido, vou”. Em seu novo livro, Barato, ainda inédito, Ricardo volta a trabalhar com a linguagem do cotidiano, desvirtuando-a, com a inserção de temas pedestres e cultos, numa mistura, digamos, entre alta e baixa cultura, com resultados corrosivos. É no poema “Suspeita”, de Desencantos mínimos, que ele faz uma síntese de sua poética: “- Alucinações são o elemento / elmo / do ouro que reveste a veia / que a luz da areia / é o a seguir, / vaga em breve, / e o devaneio?”.

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