Um livro primoroso no trabalho
editorial e com muitos poemas interessantes. Chegamos talvez, na poesia
brasileira, a um momento de poesia pulverizada e democrática. Há nesse viés
sobretudo um desejo de identificação (autor enquanto leitor, leitor enquanto autor). Também o altar (seja o oficial ou o
erudito) pouco interessa nessa concepção. Poesia deixou de ser a arte difícil?
As vantagens seriam óbvias: uma língua franca e a dessacralização da condição
poética. Borda tem essa luz
democrática: há ali clareza clássica no dizer e por vezes belos tratos de
linguagem. Muitos dos poemas retomam a vocação cotidiana modernista (a própria
voz lírica se reconhece dissonante frente as ingerências do pós-moderno), de
Drummond a Adélia Prado. Um mundo em que ironia e enfado dão as mãos, quando
não perturbados pela violência dos podres poderes. A autora se dá bem nessa
seara. Por outro lado, desagradam-me o excessivamente discursivo, o recurso do
contar, na ordem do livro de memória. Outra coisa é o recurso da recusa, quando
as coisas, e mesmo o mundo do cotidiano, repleto de nadas, simplesmente
acontecem. E Borda me pareceu
irregular justamente nesse sentido. Fala-se muito em certos poemas, gerando o
maldito conto poético. Conheci também bons textos lendo o livro de Norma de
Souza Lopes. Destaco “o gato”, “cortesia”, “passou”, poemas que vibram de um
cuidado de estilete, mais próximos do arabesco que do figurativo. A autora
parece estar se testando, com uma paixão ainda temerosa. Se assume a condição
social, o ser todas as mulheres, todos os oprimidos, o texto ganha em vigor
engajado. Persistir a fragilidade de linguagem, no entanto, impede que a
própria mensagem reverbere em poesia. Existe um cuidado forte em muitos dos
textos, mas outro tanto tateia um quanto pueril. Arrisco-me a dizer que a poeta
está ainda acima dos seus recursos. Como se os poemas insinuassem um querer
dizer diferente, menos condescendente.
Muito obrigada Ricardo. É um privilégio contar com sua leitura critica. Obrigada!
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