Uma
relação assumidamente política com o mundo, a da contenção precavida, talvez
permitindo uma acentuação micrológica, na fresta da convenção, de uma pausa,
uma queda, uma pretensão de instabilização. O syntaxier social quase epigramático,
como se Francisco Alvim fosse escrito por Sebastião Uchoa Leite, travando-lhe o
sorriso esboçado, mas não na perícia de arabescos, um pouco talvez ‘espeleólogo-etimologista’
(para lembrarmos do Haroldo-Mallarmé), ainda que sim um ‘reversor de ordens’,
nada porém barroco, muito pelo contrário, o jorro, talvez uma inocência do
desvario, aqui não acontece, nunca. Mas sim ‘efeitos sutis, delicadíssimos,
duplo jogo de filigrana e abismo (continuando com Haroldo-Mallarmé), ainda que
entrecortado, rasurado, incompleto, sem o fetichismo do objeto, nada, uma
mordaça e a mensuração de sua sutura, quando em uso, e em uso principalmente
público, da palavra pública, o que faz toda a diferença ao não esgotar a
configuração nova de percepção como entomologista, taxidermista, nada, um Brás
barrado pelo sistema espreita aqui, barateado de modo kafkiano, mas também à
luz do mercado, particularmente quanto à possibilidade de dizer, ou mesmo à
pretensão para tanto, também esgotada. A palavra pública e quase burocrática
que, por um mecanismo de contenção encarcerada, vem colada-descolada de uma
paisagem de acirramento implícito, como se uma pichação decalcada de sucessões
de paredes históricas e retorcida pelos mesmos fundamentos de manutenção da
ordem, até nada restando do gesto cívico, fosse enfim reestranhada, dotada de
uma intenção inusitada. Uma atenção às quedas naquilo que “convém” enquanto resguardo
do dizer, no esforço “de não dar sequer\o primeiro\passo”. A decomposição objetivista,
não de uma coisa, Ponge, uma paisagem, Creeley, mas tentativas de se decompor o
poema enquanto pensamento ritmado, operado pela sintaxe portanto, sempre porém
de modo a cooptar o poema para o mundo, modulando por aquele a percepção desse
(WCW, Michael Palmer?). Uma consciência da materialidade da linguagem enquanto
pensamento, evitando as faíscas as metáforas as imagens as reverberações os
neologismos o gratuito o costumeiro o oficial o complacente. A poesia como um
trabalho de intensificação pelo indigno, pelo gratuito recortado, o ato falho
repensado pela lógica do controle social, da mordaça apesar da voz: em terra de
poetas de voz, quem tem mordaça é rei. A poesia enquanto fresta de uma política
de opressão totalitária, logo falhada e, ainda assim, mesmo assim, ainda mesmo.
No dia, e no entanto não há dia, não há sol no poema, nem flor a perfumar a
palavra foro (“há tanto para ver no visto”), lugar de aparte, o corte social no
talhe do verso: o discurso sulista objeto de agradecimento, aquele que detalha
o lugar do sub, entre farinha e dejeto. A carne de sol? O olho de boi? Tudo o “conhecedor
do ferro”. A palavra, cívica, melhor seria se dispensada, sem compungimento. O
social implica no riso de aceitação, certa dança paranomástica, um tanto de
enfeite desvairista: nada aqui em camisa
qual (2008) repete tais implicações. Talvez um problema venha no coeficiente moral
de tal operação: a faca que corta a linguagem também aparta quem julga. Se não
vibra – estóico – a infantilidade falível do gênio, tampouco convence sozinha a
seriedade ao quadrado. A rua é chão, das partes baixas? Só o veneno da operação
(discretíssima) de anulação dos talhos e ebulições basta à corrosão? O syntaxier
Age de Carvalho ainda se apega ao Mito, ao Símbolo, à História e ao biográfico:
em Cândido Rolim a intervenção não se escora em nenhum desses pais. É de um
lugar bastardo (e muito mais difícil) que se fala, negativizada a convenção. Nesse sentido, de consciência
de reificação ainda mais acentuada. Mas se não importa ao poeta o esmagamento,
como se refere e de novo a ele? Uns ruídos eróticos mesmo, inflados de
representação mimética, destoam um tanto de tanta poesia enquanto pensamento
(como em súbito estrangeiro ou em piercing), ainda mais num livro enxuto
de 25 poemas apenas (o mesmo no corte metafísico de apanhado). Ainda assim, valem como respiro. Fragilizam um tanto o poeta 'desumano'. Mas é o lugar do social, como o comércio de amizades, as
aclamações, a posteridade, a descendência, o lugar disso tudo na poesia (e não
o contrário, ainda bem), que se revela a melhor vocação do poemário (se fosse em prosa eu
evocaria Dalton Trevisan, com os quase ditos e a precaução quanto ao “risco
de\concordar”). Todo poema é político. Apenas alguns poetas sabem disso.
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